Old Jerusalem dia 18 de Janeiro


Old Jerusalem.

FormaçãoFrancisco Silva / Voz, Guitarra
+
Márcio Carvalho / Baixo, Voz
Pedro Oliveira / Bateria
(ao vivo)

OrigemPorto / Portugal

http://www.oldjerusalem.net/
http://www.bor-land.com/pt/artistas/oldjerusalem.htm
http://www.myspace.com/oldj

Check out this video: Old Jerusalem - Her Scarf



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A melancolia da anatomia.

Quem reconhece em «Old Jerusalem» o título de uma canção de Will Oldham imediatamente imagina uma genealogia de melancólicos americanos (essa que inclui Bill Callahan, Damien Jurado, os Mountain Goats e outros). Francisco Silva, o mentor deste grupo de geografia variável chamado Old Jerusalem, nunca escondeu as suas influências e afinidades. Mas, ao terceiro álbum, essas comparações não são mais necessárias. Na verdade, o novo disco de Old Jerusalem é mais interessante visto em confronto com os anteriores, April (2003) e Twice the Humbling Sun (2005), do que com os seus mestres e modelos.
No essencial, nada mudou: são canções tendencialmente narrativas, um lamento gentil e às vezes desolado, um melodismo dolente que acompanha textos longos, uma espécie de confessionalismo tímido. No entanto, há elementos novos, ou mais desenvolvidos. Estas onze canções são como que um diagnóstico dos estádios de uma relação amorosa. Mas é um diagnóstico em acto, como um doente a quem se tirasse a temperatura várias vezes ao dia. Quem associa a melancolia confessional a inclinações adolescentes encontra aqui um desmentido completo: uma relação não é um objecto imóvel, e Francisco Silva acompanha com minúcia os cambiantes de saudade, cumplicidade, afastamento, aceitação e mesmo alguma crueldade (com ou sem dolo) que os amantes vivem. Não é justo descrever estas canções como sendo simplesmente sobre «o sofrimento», porque o sofrimento é um conceito estático e nada é estático neste disco. O amor é composto de mudança, e «The Temple Bell» está cheio de mudanças, incluindo no sentido literal (as caixas de «Boxes»). A monotonia e a rotina (elementos inevitáveis de qualquer experiência com alguma duração) estão aqui espelhadas de modo insólito, porque menos ostensivamente «poético»; mas é também isso que nos faz compreender os efeitos da passagem do tempo, os avanços e recuos, a incerta certeza que é sabermos realmente o que queremos. Isso e a atenção comovente aos pequenos gestos e aos pequenos símbolos (como um lenço, em «Her Scarf»), constante metáfora material das nossas emoções.
O estilo de Francisco Silva não tem nenhuma semelhança com a tensão minimalista nem com a associação livre que são métodos comuns em tantos escritores de canções intimistas. Os textos raramente procuram o aforismo emblemático, mas também se afastam do prosaísmo, mesmo quando descrevem situações prosaicas. Há um lado antiquado nalgumas passagens, como se ouvíssemos ecos de um Yeats ainda não modernista, em parábolas como a balada marítima «Ruler of My Heart» ou o ancestral «Time Time Time». O inglês nunca é usado pela sua simplicidade e ductilidade: mas as construções rígidas e os termos algo rebuscados que surgem nos textos são surpreendentemente melódicos no contexto da canção, sobretudo por causa do modo nada enfático como são cantados. Dois exemplos: «I’m but a piece here / A fragment of truth / Hence here a lie / Stands in forced oath before you» (de «Grasshoppers»). Ou o elegante: «May our ennui dissolve / May our boredom be recalled in lace and sepia / A stage into our splendour» (em «Lunar Calendar»). Versos que no papel parecem hieráticos mas que são fluentes e naturais aos ouvidos. O que não significa que não apareçam alguns artifícios literários: em «Refusing to give yourself in now meant knowing / Coldly what lived and what died» («Time Time Time») aquela mudança de linha é eminentemente poética. E a mudança de linha, como sabemos, nem sempre se ouve na voz. As palavras, diz Francisco Silva numa das canções, são coisas físicas. E neste disco isso também se comprova com as discretas mudanças rítmicas e com o modo melodioso como terminam alguns versos. Além de que em «The Temple Bell», Old Jerusalem conta com cordas e teclas, que acrescentam intensidade e textura ao material.
No entanto, talvez a novidade mais evidente neste álbum seja o humor e ironia de algumas canções (o snobismo paródico de «Arts Center» ou a deliciosa candura de «Love & Cows»). Como Francisco Silva explica, não existe desolação («gloom») onde há movimento, e este disco tem mais movimento que os anteriores, mesmo quando analisa a imobilidade. Isto não é um jogo, é uma confissão, mas as canções cruzam com grande inteligência o desencanto com o distanciamento. «Love & Cows», logo no início, mostra como os «conceitos» escondem realidades mais comuns e dolorosas: «We fabricate the concepts but fundamentally fail to connect / We find awkward our true feelings and give them shapes more ‘politically correct’ / Like when you are bored of me and you won’t take another night / Becomes “we are not communicating, something isn’t right” / Well, it is, that is just the way things are / The end of love sometimes find us sobbing in the car». Mas depois a história envereda pela auto-depreciação em tom assumidamente ligeiro: ele não sabe cozinhar, não gere bem o orçamento, é desarrumado, é míope, dizem que está a ganhar barriga e ainda por cima partiu uma vaca de louça, imagem da banalidade doméstica. E tudo termina não na anatomia da melancolia mas na melancolia da anatomia, ao mesmo tempo gráfica e carinhosa: «And our minds and bodies just sensually click / I fall between your boobs and you on my dick». Os romanos diziam que depois do coito todo o animal fica triste. Mas isso é apenas meia verdade. E Francisco Silva, como este disco confirma, não se contenta com meia verdade.

Texto
Pedro Mexia

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